A mulher que ria
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Eu entrei no ônibus. Estava cansada de uma longa jornada de
trabalho. O calor se intensificou com o aglomerado de pessoas dentro da
condução. Me posicionei pouco antes da primeira porta de desembarque. Segurei
no corrimão mais próximo e ali fiquei.
Com o olhar atento, observei uma mulher sentada no quarto
banco do lado esquerdo do ônibus. Ela vestia uma blusa verde água, quase em um
tom de azul, uma calça jeans e uma rasteirinha. Pele morena, cabelos lisos e
negros, eles pareciam oleosos. Talvez hoje seria o dia que ela chegaria em casa
e os lavaria, pensei. A parte da frente estava presa com uma presilha no topo
da cabeça. Me perguntei o que ela ouvia nos fones de ouvido. Tinha em seu colo
uma mochila rosa com alguns detalhes. Por cima, ela segurava um livro.
Eu a observava ler. Lia um pouco, olhava para janela e
depois voltava a leitura. Ela então começou a rir. Concentrada demais na
leitura para perceber que alguém a observava. Queria saber qual era a graça do
livro. O que aquela história tinha de tão engraçado?
E então eu, uma curiosa que sou, rompi com a privacidade
daquela mulher e forcei meus olhos a enxergarem as letras miúdas que estavam
naquele livro.
Eu também queria rir.
O ônibus balançava para lá e para cá o tempo todo, logo não conseguia
ler tudo o que estava escrito nas páginas daquele livro. Consegui ler frases
soltas em que diziam “meu irmão é mais corajoso que eu, saiu correndo atrás...”
e mais uma vez o ônibus solavanca impedindo que eu conseguisse enxergar a
próxima palavra. Era tarde demais, ela havia virado a página.
Eu queria perguntar qual o nome do livro que ela estava
lendo. Queria sentar ao seu lado e ler junto a ela. Queria conversar sobre o
que achava do livro.
Chegamos ao terminal. Muitas pessoas desceram e bancos ficaram
vagos na parte de trás do ônibus. Eu poderia sentar. Estou tão cansada, pensei.
Mas eu queria continuar ali, observando a mulher que ria. Decidi que era ali
que eu ficaria.
Eu não sabia para onde estava indo ou de onde estava
voltando. Nada disso era importante. A minha missão ali, era descobrir qual o
livro ela lia. Comecei a observar os mínimos detalhes. Ele tinha em torno de
300 páginas, as folhas eram amareladas e pela beirada da capa tinha tons de
azul.
Droga, meu ponto era o próximo. Eu precisava perguntar a ela
qual o nome do livro. Mas ela estava tão imersa, não podia tirar sua
concentração.
Alguém apertou o sinal que indicava a próxima parada.
Relutante, sai do meu lugar olhando para trás. Quase que como uma explosão, um
velho sentado no bando ao lado do lugar reservado para cadeirantes, começou a
gritar e xingar uma adolescente que esbarrou nele sem querer.
“Fica pra lá e pra cá, diacho. Não consegue ficar parada. Vá
para o diabo que o carregue...”
Quanto mais ele falava, mais ele gritava. Os olhos
esbugalhados e vermelhos. Todos assustados e constrangidos, sem saber o que
fazer. O ônibus parou. Eu desci deixando para trás o velho rabugento e a mulher
que ria, tendo uma única certeza: eu jamais saberia o nome do livro.
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